Eu fico aqui inventando historinhas. Bois das caras pretas. Donas Chicas admiradas. Meninos Maluquinhos rondam minha cabeça enquanto escrevo. Os bois vão dormir, eu não. A criançada até fica feliz mas meus livros ficam ali largados no canto da creche. Doei alguns exemplares.
Ligaram para mim. “Seu Ramon” Detesto que me chamem “Seu Ramon”. O “Seu” só fica bom no Jorge. Seu Jorge. São Gonçalo. O "Seu Ramon", fica parecendo que sou velho. Estou ficando, mas não preciso parecer. “O senhor pode vir buscar a Pollyana agora? Aconteceu um probleminha.” Perguntei meio assustado o que tinha acontecido. “Ela está ótima. Nada com a saúde dela. Só precisamos que o senhor venha aqui agora”.
Toquei a campainha do portão e uma dona baixinha veio atender. Se me chamam de “Seu” chamo ela de “Dona”. “Seu Ramon, por favor o senhor poderia vir conosco.” Atravessei o pátio e a Polly estava sentada sozinha numa cadeirinha de madeira numa área coberta da creche. “Oi pai !” Gritou de lá. Espalmei a mão e sussurrei abrindo a boca para a ela ler nos meus lábios “Peraí”.
Passei pelo corredor de murinho baixo e envidraçado na altura do meus ombros onde ficam as crianças pequenas. Algumas estavam deitadinhas em colchonetes descansando. Aí ! Pisei num Lego. Doeu. A sola do mocassim é fina.
Entrei na sala dela e tinha uma mulher abaixada fazendo dengo no filho - um ruivinho com a camisa do DeadPool. “Seu Ramon, essa é a mãe do Tomás” “Dona Estela, o nome dele é Thomas” Ela caprichou com a língua na ponta dos dentes. “Seu Ramon a Pollyana tem estado impossível esses dias. Canta alto acordando as crianças menores, pega os brinquedos e não empresta para o coleguinha, rabiscou a parede do salão dizendo que era uma artista como o pai. E hoje, Seu Ramon, ela mordeu o pescoço do Tômas, coitado...” “Thomas...” Falei que podia deixar que eu ia ter uma conversa séria com ela. Imagine, fazer bagunça e ainda morder o pescoço do Tômas” “Th...”
Olhei para o chão e lá estava “As aventuras do Gato Chani”. Era pra ser Chaninho. Rasgaram parte da capa do meu livro.
Saí da sala e minha filha estava do lado de fora de mochilinha nas costas com as bochechas rosadas. “Dá mão” disse. Fomos para o carro. Coloquei ela no buster e prendi com o cinto. Assim que fechei minha porta ela danou a falar com aquela voz rouquinha de quem tomou gelado: “Pai, a tia Estela me colocou de castigo mas eu disse que a culpa não era minha que Tomás é bobo de galocha que só fala besteira e me empurrou aí eu mordi ele e ela disse que precisava falar com você que eu estava impossível e isso não é verdade pai, pois eu sou uma pessoa possível...” Aí eu ri. Ela não viu. Pedi que ela me dissesse o que aconteceu. "Foi ele pai. Ele falou que o seu livro é idiota que fala de um gato “escorosado” e de uma menina estúpida. Aí eu fui tomar o seu livro dele e ele puxou com força e rasgou a capa e eu disse que isso não ia ficar assim que eu ia falar com você ai ele jogou o livro em mim e e eu fui lá e mordi o pescoço dele” “Tá bom Polly. A gente conversa direito quando chegar em casa”.
Mirei no retrovisor e ela olhava lá fora. Minha filha é muito fofa.
Trecho do livro "Tô numa boa..." em elaboração.
Excelente! Os pequenos detalhes nos dão uma imersão perfeita. Parabéns!
ResponderExcluirObrigado, Guaracy !
ResponderExcluirSensacional! Trata-se de uma história que acontece dentro de nossas casas, mas que nem sempre é tratada com a sabedoria e a serenidade do personagem Ramon. Adorei!
ResponderExcluirObrigado, Edmilson.
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