M Ele desceu dos céus, era dia e o céu estava todo azul. Ele desceu dos céus e emanava um certo brilho. Desceu lentamente em linha reta, como quem desce de um arranha-céu em um elevador invisível. E pousou sobre o solo em meio ao rush matinal. Não fez nenhum som. Nem levantou poeira. Pessoas apressadas indo para os seus trabalhos ou procurando outros trabalhos. Muitos não repararam que ele desceu do céu. Os que repararam acharam que era alguma apresentação de mágica, daqueles mágicos internacionais que fazem mágicas pela rua e surpreendem os transeuntes. Sua cor azul celeste fazia alguns terem certeza de que era um daqueles artistas que fazia-se de estátua. Mas ele estava nu. Completamente nu. E estava de olhos fechados. Parecia humano apesar de não possuir pelos em nenhuma parte do corpo. Devia ter uns dois metros de altura e seu porte musculoso era de quem fazia musculação há vários anos. Claro que alguns radares o detectaram enquanto descia. Poderia ser um asteróide ou um drone. Um astrônomo falou com certeza na voz:"É mais um daqueles balões meteorológicos que brilham e causam medo em pequenas cidades do interior...".
Mas não era...
Algumas senhoras, defensoras da moral e dos bons costumes começaram a se irritar com aquele artista de rua despudorado, mostrando suas partes íntimas e bem dotadas e seu corpo musculoso e perfeito...ahh. E se recompunham e chamavam a atenção do guarda que estava ali perto. "Isso é atentado ao pudor!" "Há crianças passando por aqui! Isso é um absurdo!"
O guarda concordou. Foi se chegando flanqueando a situação pensando numa melhor abordagem. As senhoras observando tudo de longe.
-Senhor! - falou em tom severo e alto - Não é permitido ficar nu em público. E todo artista de rua precisa ter o alvará da prefeitura. Ponha uma roupa agora e me mostre seus documentos.
E ele não se moveu. Provavelmente os documentos que ele tinha já estavam ali à mostra. O guarda se incomodou com o total desprezo do meliante. Avaliou a possibilidade de imobilizá-lo. Pediu reforço no rádio.
-Senhor! - Berrou amedrontador - Não me interessa se você é maluco ou é surdo, eu quero que você deite AGORA no chão com o rosto para baixo e as mãos para trás! AGORA! - E sacou o 38 apontando para o marginal.
Um pequeno pânico começou a se formar. As senhoras que assistiam a tudo de longe resolveram se proteger dentro da pastelaria do chinês em frente. Vai que o maluco consegue pegar a arma do policial?
E o homem azul abriu os olhos. E seus olhos irradiavam luz. Luz estelar. Luz de explosões atômicas que acontecem no centro de estrelas centenas de vezes maiores que o sol. Brilho radioativo de trítios e deutérios. E o homem azul virou sua cabeça mecanicamente para o guarda. Não precisava tê-la virado. Sabia da presença do guarda ali. Dele e dos outros sete bilhões oitocentos e vinte e três milhões quinhentos e quarenta e oito mil setecentos e trinta e nove seres humanos ainda vivos naquele exato milésimo de segundo. E sabia também o que cada indivíduo das outras oito milhões e setecentas mil espécies estavam fazendo naquele mesmo momento. Então o guarda soube que estava diante de algo muito maior. E baixou a arma. E de seus olhos saíram lágrimas. E ele molhou seu uniforme.
E o homem azul sabia das crianças ainda vivas sob os escombros na Síria. Sabia das mulheres que seriam mortas por apedrejamento por terem traído seus maridos. E sabia das crianças recém-nascidas chinesas que seriam estranguladas pelas próprias mães pelo simples fato de terem nascido meninas e não meninos. E sabia dos falsos profetas que enriqueciam por oferecer a seus fiéis falsas vantagens de se barganhar com Deus. E sabia da dor das árvores cortadas no meio da floresta, e das baleias desnorteadas pelos metais pesados e pelas explosões de mapeamento do fundo do mar a procura de petróleo. E sentia a morte lenta e dolorosa do filhote de golfinho embolado numa rede de arrasto abandonada no fundo do mar. E sentia todas as dores dos partos e dos suicídios e assassinatos que estavam acontecendo naquele momento.
E passeou pelos pensamentos humanos e notou que muitos desejavam o fim do mundo. Um mundo tão belo. Dos mais belos que ele havia criado, ao menos nesta galáxia. E com tantos mistérios ainda não desvendados e tantos remédios para tantas doenças ainda não identificadas pela ciência.
E Ele viu seus rios transformados em valas negras e fétidas. E suas inocentes criaturas sendo atropeladas por veículos tão pesados e barulhentos, e percebeu aqueles borrões repetidos feitos pelas rodas nas estradas...
Poderia destruir tudo e recomeçar do zero, mas estes que destruíam tudo eram uma minoria. Nada que um vírus não resolvesse em alguns anos.
Sabia que se ficasse ali tentariam prendê-lo, matá-lo, dissecá-lo, injetar-lhe substâncias, expô-lo a gases venenosos e radiação. Poderia ser a causa de uma terceira guerra mundial pelo simples fato de estar ali.
E naquele dia alguns bebês desapareceram, algumas crianças desapareceram e alguns homens e mulheres puros de coração também desapareceram. Alguns pareciam que tinham morrido. Não. Haviam sido arrebatados. Uma flor rara foi descoberta, e um animal desconhecido foi salvo de um incêndio.
Contemplou mais uma vez esta sua criação, tão recente e tão cheia de problemas. Não iria eliminar todo o mal do mundo pois o homem é o exercício de caminhar pelo vale das tentações sem se contaminar. Pelo menos é o que eles dizem. E sabia que havia esperança no coração dos jovens. E sabia que Nostradamus estava errado. E quanto mais horror houvesse, mais a necessidade da caridade brotaria do coração dos homens de bem...
O reforço policial havia chegado, e antes que tentassem cercá-lo ou neutralizá-lo, correu no meio da multidão como um louco, entrou por um beco e evaporou-se...
Foi visitar os amigos antigos, tomar chang com um monge no Tibete, Jogar tablut com um filósofo na Lapônia, tomar uísque e ver o mar, da Calçada do Gigante em Bushmills com um físico aposentado na Irlanda do Norte, e oferecer alguns biscoitos de linhaça para uma menina sueca chamada Greta.
Bem vindos ! Este blog destina-se às publicações dos acadêmicos da Academia de Letras Joaquim Osório Duque Estrada em Paty do Alferes - RJ
quinta-feira, 12 de dezembro de 2019
A Busca - por Guaracy Muniz Carioca
Eu só busco fugir das rimas óbvias
Eu só busco fugir das rimas
Eu só busco fugir
Eu só busco
Eu só
Eu
Eu só busco fugir das rimas
Eu só busco fugir
Eu só busco
Eu só
Eu
Cacos de vidro no asfalto - por Guaracy Muniz Carioca
Bêbado; meu copo
Bêbada; minha vida
Um horizonte vertical
E uma têmpora doída
Bêbados; meus cacos
Bêbada; minha vida
Bêbada; minha vida
Um horizonte vertical
E uma têmpora doída
Bêbados; meus cacos
Bêbada; minha vida
Tem certas coisas que os filhos não aceitam bem... - por Guaracy Muniz Carioca
AVISO: CONTEÚDO IMPRÓPRIO PARA MENORES DE 12 ANOS - APRESENTA LINGUAGEM CHULA
E se te
desse a louca (e foi dito com muita propriedade por Horácio “desipere in loco”- Enlouquece-te de vez em
quando), e você se apaixonasse por um jovem trinta anos mais novo que você,
com a libido à flor da pele e você fosse pega numa terça-feira às três da tarde
gemendo na cama como uma loba no cio, sendo xingada de todos os nomes que uma
mulher casta e pudica não deveria gostar de ser chamada...
E se te
desse a louca e você vendesse sua casa com tudo o que tem dentro para
colecionar apenas carimbos de “visto” de outros países em seu passaporte? Será
que continuaria sendo a filha, a mãe e a avó querida? Ou tentariam te
interditar para controlar tuas finanças alegando insanidade?
Será que
amparar os outros não se tornou uma obrigação velada? Uma troca macabra por
aceitação, carinho e atenção? Quanto do
bem que fazem para você é exclusivamente para você? Quantas vezes fizeram para
você a sua comida favorita? Quantas vezes te deram um sapato daquela loja que
você gosta? Será que sabem ao menos a sua cor preferida? E se descontássemos tudo
o que é feito para o bem de todos, como lavar o carro, fazer comida e arrumar a
casa, o que sobraria de bem para você? E se você não tivesse nada a oferecer?
Nenhuma vantagem financeira ou de outro conforto qualquer? Será que todos te
amariam com a mesma intensidade que dizem te amar? Quantas vezes você ouve “Eu
te amo” sem precisar perguntar ou sem vir um pedido de algum favor ou presente
logo depois?
O dito
“politicamente correto” dificulta e afasta grandes amizades, porque grandes
amigos se tratam por adjetivos chulos e baixos e tudo vira uma grande
brincadeira de chocar os incautos ao redor.
Digo sem
medo de errar: Cuidado com a opinião dos que te amam, mas dependem de você,
mesmo que em parte, por questões financeiras, afetivas ou de conforto, porque
são opiniões tendenciosas. E porque
talvez a tua verdadeira felicidade vá contra todos os estereótipos que eles
fazem de ti. Talvez te queiram pacata, sentadinha de pernas cruzadas e falando
baixinho até o fim da festa. Feliz por ganhar uma caneca de “A melhor mãe do
mundo” no Dia das Mães, ou conversando sob sutil vigilância, pela internet com
vários “amigos” que nunca irá conhecer pessoalmente.
E se, da
noite para o dia, você resolvesse começar a beber e fumar como uma adolescente
no primeiro ano de faculdade longe dos pais? E se esquecesse de tantos
compromissos que na realidade nem são seus? E se pensasse em experimentar novas
sensações, antes de amanhecer? Percebes uma oculta cerca eletrificada de
arame-farpado ao redor da tua liberdade de expressão?
E quando
você ficar velha demais para despertar o interesse de alguém do sexo oposto, ou
do sexo que mais te atrair, e os filhos todos já estiverem com suas vidas
encaminhadas, quem vai querer cuidar da idosa faladeira e cheia de dores e
horários para tomar remédios? Quem vai andar devagarinho ao seu lado como
quando você levava eles quando estavam ainda aprendendo a andar? Quem vai ter
com você a paciência que você teve com eles?
O mais
provável é que você continue por toda a vida comprando atenção, cordialidade e
aquiescência entre os dentes, deles.
Comprando eles para não te deixarem abandonada, quando o que você
realmente queria era ficar nua em pleno Culto de Natal, ou gastar uma gorda
fatia do teu décimo terceiro salário para fazer sexo, ao menos mais uma vez,
com um jovem e musculoso michê. Mais um sendo comprado para disfarçar a cara de
nojo, pena e impaciência.
E aí numa
madrugada solitária você irá encontrar esta carta, já amarelada, rasgada e
colada com fita adesiva e vai descobrir mais uma vez que eu era teu amigo de
verdade e que te amava sem exigir nada em troca além da natural troca de
atenção entre amigos. E que sabia a tua cor favorita.
Tantos bens
de consumo parcelados nos cartões de crédito, mas nada preencherá o vazio de
não ter ninguém para te chamar de “meu tesão”, “minha putinha gostosa”. Ou te
sussurrar ao ouvido entre lençóis: “Abre essas pernas meu amor que hoje eu
quero te chupar a noite toda!”...
Percebes?
Tem certas coisas que os filhos não aceitam bem...
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