Tomei uma dose de bitter para adoçar a boca pela manhã. O
sol, o vento de agosto, correndo pelas árvores, um mês atrasado. Sibipirunas e
Jacarandás em pleno florescimento e o mato ainda se recuperando da seca
prolongada. Volto minha mente para o passado.
O adolescente ainda criança pegava
ônibus e não entendia muito bem porque as janelas iam se ocupando primeiro da
frente para trás, na época em que se saltava pela frente dos ônibus e ainda
havia os trocadores para o motorista se concentrar no seu trabalho de dirigir. Eu gostava de me sentar na frente, onde podia ter a sensação de estar dirigindo também. Mas Antônio não. Antônio sentava atrás, no banco alto que fica
sobre as rodas traseiras e observava. Negros, pessoas mal vestidas e pessoas
obesas eram as últimas a ganharem seus pares. Homens sentavam-se ao lado de
outros homens e mulheres sentavam-se ao lado de mulheres. Às vezes uma mulher
branca ficava de pé se um homem negro estivesse sentado na janela. O último
lugar vazio era sempre visto com estranheza. Poderia estar sujo, molhado ou ser
alguma armadilha. Um lugar vago na janela por detrás dos bancos altos da frente
era um ‘Siege Perilous’, onde mulher recatada nenhuma que não estivesse
morrendo de dores nas pernas sentaria caso houvesse um homem sentado ali ao
lado. Em quase vinte anos pouca coisa mudou. Somos preconceituosos o tempo
todo. Até os cães sofrem com isso; um pit-bull é um cachorro assassino, um cão
branco, pequeno, filhote e saudável tem muito mais chances de ser adotado que
um cão grande, preto, doente ou mais velho. E eu olho minhas crianças e elas
correm e rolam e brincam e brigam e são todas muito parecidas nessa ansiedade
de querer viver plenamente.
Outro dia o trocador não tinha troco
pra ninguém, faltavam-lhe moedas de dez centavos. E quem iria discutir por
causa de dez centavos num ônibus lotado, cheio e quente? Era injusto e desonesto, mas era uma briga que
ninguém queria comprar. Nem Antônio. Um par de dias o mesmo episódio aconteceu,
no mesmo horário e na mesma linha. Antônio querendo ajudar pegou seu pote de
moedas e contou todas as de dez centavos. Havia quase dez Reais em moedas, era
pesado. Levou separado numa sacola todo aquele metal. Entrou no mesmo ônibus,
no mesmo horário e entregou ao trocador.
-Tem dez Reais aí em moedas. Pode
contar.
Meio desconfiado o trocador esperou o
ônibus subir na ponte Rio-Niterói e foi contando moeda por moeda. Estava certo.
Deu a nota de dez Reais a Antônio, não agradeceu. Por mais preguiça ou
dificuldade que ele tivesse aqueles dez centavos durariam por pelo menos uma
semana. Ao final do expediente, voltando pra casa, Antônio calhou de pegar o
mesmo ônibus. O mesmo trocador. Não tinha dez centavos de troco. Nem se lembrou
do rosto de Antônio. Não era falta de troco. Era falta de honestidade mesmo.
Excelente !!!
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