quinta-feira, 28 de março de 2019

Aos diferentes - por Guaracy Carioca

     Irão chamar-te de louco. És apenas diferente. Os bares lotados, os estádios e as repartições públicas te intoxicarão. Oferecer-te-ão drogas. Não as aceite.
Deixar-te-ão mais parecido com os iguais que se pareiam aos milhares. E és diferente.

     Vais enlouquecer-te vez por outra porque a vida quererá enquadrar-te, rotular-te, estereotipar-te. Ela conseguirá apenas em parte, porque mesmo nas diferenças há semelhanças.
     Olha-te no espelho. Não há ninguém igual a ti. Nem mais belo nem mais horrendo. Levanta voo! Agora! Tuas retinas precisam filtrar paisagens. Inspira teatro, expira poesia. Dança uma dança só tua. Cria raízes e depois as corta. Parta para um lugar desconhecido. Depois volta. Muda de ideia. Diz que não sabe. Pergunta. Ouve as infinitas respostas. Em algum momento da vida irás pintar teus cabelos, ou crivar tua pele de tatuagens e tuas extremidades de metais,cordões e penas. Vais, aos poucos, percebendo-te diferente. Os jovens perceber-te-ão jovial apesar da idade. Não te envergonhes disto. Um instrumento musical poderá escolher-te como amigo. Aceita-o sofregamente. A arte presa em ti precisa ser parida de alguma forma, por algum meio ou ferramenta; O pincel, as mãos, os pés, a voz, o sexo, o corpo todo.

     Certos dias encontrar-te-ás sozinho. Aproveita a liberdade e o anonimato. Fica nu. Medita. Deixa a inspiração dormir um sono tranquilo, para depois, de madrugada acordar-te num susto, suando e chorando sem saber por quê.

     Viestes ao mundo para criar novos caminhos. Não para percorrer os já existentes. Por isso acostuma-te com a solidão. Não é tua inimiga. Talvez em idade já avançada olharás para trás e verás a multidão que seguiu teus passos e se emocionou com tua trajetória ímpar. Não te envaideças. A multidão é infiel e o sucesso efêmero. Tudo é efêmero. Segue criando, inovando, perscrutando. Podes ter muitas companhias mas nunca encontrarás teu par. Por que? Por que és diferente. És artista. Casa-te com as tuas artes! Aconchega-te a elas.

domingo, 24 de março de 2019

Migalhas - por Ludwika Piekut

Migalhas

Executando constantas amputações sem
anestesia  -  o tempo.
A solidez dele, evaporando, deixa
         migalhas de irônicos apegos
         consideráveis importâncias  sem
         importância
         entregas urgentes sem mais
         endereço
         restos ininteligíveis dos mapas
         de tesouro
         e flashes de futuro condenado
         a gasto sem uso.
Com manto de densa névoa,
cobrindo estas paisagens  --
                                    a tristeza

domingo, 17 de março de 2019

GRANDE MANCADA (De carona no surreal) - por Ludwika Piekut

Grande mancada
 
Vazia, oca, aérea, entregue  à escolha  dos meus pés cegos - andei vagando por aí, com olhos vesgos de esforço, de tanto trocar lugar com as orelhas.
Sol nascia no oeste e, ao mesmo tempo, no lugar dele caia como moeda de pagamento a lua de prata, de mudança para trás do horizonte. Agora alcançável.
-- Duas faixas de luzes, paralelas, cruzaram suas retas  finalizando show  que, afinal, não continuará. Nem deve! --Ninguém lamentou  falta de colorido no espetáculo. --- Circulando... lancei- me para a frente.
---- Fui caçar. Atirei. Pensei que matei um elefante.... Atirei na sombra dele. Estava atrás de mim com a pata erguida, apertando carinhosamente a trompa que enrolou  em volta do meu pescoço.
---- Dei taça de veneno para cobra se deliciar. Agradeceu fortalecimento  envolvendo meu corpo num " grande abraco" mortal com carinhoso beijo de vampira  assanhada.
---- Cansei. Brincando despreocupadamente de roleta russa dei vários tiros na minha cabeça. Não sei como nao reparei que já o primeiro dis paro continha a bala. Com um malicioso sorriso, meu  reflexo  no espelho me parabenizava pela distração.  -  Em seguida -  estorou em mil pedaços.
        Com azar  à vista, fiquei com a raiva.
Derrubei   com  machado  a última  árvore do meu quintal.
Lágrimas de resina deslizavam pesado , devagar. Endurecendo, consolidaram final  da despedida

sábado, 16 de março de 2019

Tédio - por Gil Cléber



Um sino irrompe a tocar em plena tarde:
O morto da véspera
                                 abre o olho branco no caixão
E um cavalo desembesta no caminho do abismo.
O domingo
É uma capa de bronze que me pesa nos ombros,
E o tédio
                               feito uma lança
                                 trespassa-me
Como trespassou a Cristo
                                 no Monte da Caveira
                                 a lança do soldado.
O sino toca,
Plange,
Aquieta-se o dia,
O Sol é o cavalo a galope
                               na direção do poente.
Vi uma inocente sangrando à beira do caminho,
Pensei que estivesse impura
Mas o sangue vinha de seus pulmões enfermos.
Se morresse
O Inferno talvez fechasse suas portas
E cérbero pudesse enfim uivar para a Lua.



(14/06/2005; do livro "Testamento")

Criatura (II) - por Gil Cléber

Técnica mista sobre eucatex - 91 cm  x  137 cm
2003

Autor: Gil Cleber

sexta-feira, 15 de março de 2019

NEM VEM - por Clayton Craveiro

Taí ! Decidi ! Não vou morrer!
É . É isso mesmo! Nem vem !
Se a Morte vier vou tratá-la com desdém.
“Espere aí na recepção” - direi
Vou continuar conversando com o João.
“ Mas João, que jogão ontem, hein?!”
“ Não vai atender a moça, Clayton?”
“Moça ?! 
Essa quer troça comigo!
Quer que eu vire do avesso
Quer me aplicar um castigo?!
Logo eu ! Estou só no começo!”
Miro sem vontade e digo sem apreço
“Pode esperar por aí... 
Mas sentada, senão cansa”

Ela, de vestido grená,  quer dizer alguma coisa
Mas Morte não tem boca
Não me leva pra Roma, não bebe guaraná
Só uns murmúrios tolos que parecem me querer
Mas quando eu não quero, nada me faz mudar

Logo toca a campainha
abro a porta e é a Vida
Passo ela na frente; 
nem precisa de senha
Abraço com força 
Chamo ela pra dança
Moça esperta !
Acompanha meus passos
Serpenteia em meus dribles
Dá replay na minha finta
Faz assim desde criança. 
Vida se pega na cintura 
E se conduz sem destino
Joga luz em minha tinta
Nada me faz  mudar

A outra? 
Que espere ali na recepção.
E João me pergunta: você volta?
“Vou partir com a Vida, acho que não volto, não”.

quinta-feira, 14 de março de 2019

Intrépida Mensageira de Odin - Por Vitor Ferreira



Baseado nas palavras e sentimentos em relação à Virgínia Talbot (Ex chefe da Rebio Tinguá, exonerada injustamente num intuito de colocar um padeiro em seu lugar), enviados ao autor. Portanto, esse singelo Poema não pertence somente ao autor, mas a todos do Conselho da Rebio Tinguá que, de alguma forma, com ele, contribuíram.

Quem és tu que chegas?

Sabe-se lá de onde.

E adentra em nossa reserva,

Sem reservas.

Com seu sorriso largo,

Risada engraçada,

Instrumento nosso, de áudio-referência.



Talvez de espírito nordestino

Sendo, antes de tudo, uma fortaleza,

Diante do euclidiano destino.



Talvez precisa,

Em comunhão com o Inmetro,

Em busca da devida medida.



Seu ouvido sempre atento

Aos Ecos da Cidade,

Abrindo à comunidade,
 seus braços em alento.



Pegue essa Onda Verde,

Navegue pelos pensamentos,

Interprete os sonhos,

E contagie com os seus conhecimentos.



Com uma bravura sindical,

Enfrentou o machismo pétreo,

Invertendo o argumento,

De um conflito “hétero”.



Do seu amplo conhecimento,

Cultivado em museus,

Nacionalmente reconhecido,

Amendrotando os fariseus.



Diante às adversidades

E relembrando Che,

Endurecer,

Sem jamais, a ternura, perder.



Dos valores dos sábios,

Em visão planetária,

Tendo o verde como bandeira,

Seu senso de organização,

E ampliando o futuro,

como visionária.



Inteligente como Polyanna,

Com seus cabelos claros,

Menina da brincadeira do contente,

Brava guerreira de olhar positivo.

Incansável no caminhar poente,

Observando dos fatos, o real motivo.



Em seu jardim de sorrisos,

Imprimindo o seu o olor botânico

E junto, a capacidade e o engajamento,

Tão profundo quanto orgânico.



Assim, você nos Anima a Vida,

Em constante proteção

Nos impelindo adiante,

Reforçando nossa ação.



Em cada pé de planta

Plantado com suas mãos,

Brotando em grotões

Palmilhado pela planta do pé.



Seja no ambiente rural ou urbano,

Com responsabilidade, perseverança e carinho,

Renovando a cada ano,

Aquilo que encontramos pelo caminho.



No saber popular,

Vislumbramos a sabedoria oral,

Que aprendemos pelo mundo,

A possibilidade de ser empurrada da trilha,

Mas sem jamais perder o rumo

BOLERO - por Clayton Craveiro

Espera o bolero que eu quero dançar.
Falar-te no ouvido
o segredo, que dito,
vai parecer banal
mas espera o bolero
pra sentir teu perfume
em minha roupa de linho
Nem fumei essa noite
pra poder bem cheirar

Espera o bolero, morena
João Bosco nem tocou
e meu vermute está no copo
aflito por teu batom
e o sabor do teu creme dental

Espera o bolero garota
que o salão está cheio
e no meio da dança
vou contar desta alma
que já não tem coração
pois perdi no bolero
pra contigo encontrar

Mas espera o bolero

Espera o bolero.

quarta-feira, 13 de março de 2019

Heranca - por Ludwika Piekut

Herança

Pela janela fechada
do avião
que me levava
p'ra longe
joguei
um estilhaço
de espelho
                   Deixei-o caído
                   no solo
                   do meu país
                   Mas antes
                   marquei nele
                   meu rosto
                   Aquele
                   que nunca mais terei
                   do qual
                   ele se livrou
                   imediatamente
Talvez agora
pouse
no campo de trigo
refletindo
a intrusa cara
da papoula vermelha
fazendo pouco
da lembrança
dos meus lábios
festivamente maquiados

sexta-feira, 8 de março de 2019

Tributo a Mulher - por Francisco José dos Santos

                         
                              Tributo a Mulher


                         Divina e graciosa es tu mulher.
                         A mais preciosa criação de Deus.
                         O presente que todo homem quer.
                         Que da vida, encanta os dias meus. 

quinta-feira, 7 de março de 2019

Triste dia - por Gil Cléber



Pela janela
Vejo
        uma esquina
        uma porta aberta,
E o rumor do dia nublado
É como o vento num velho impermeável,
Desses com que se sai à chuva.
Uma bandeira pende num mastro,
Mas não posso vê-la,
E uma criança doente
Abre os olhos para a escuridão.
Os passos no sobrado
Falam-me de uma presença,
E o vento nos caibros da casa velha
Assovia
Lembrando lábios antigos.
No jardim
Uma pétala cai,
E o dia é como uma ostra
Em cujo interior
A pérola
Dói.




(30/10/2000 - do livro "Um Corpo sem Sombra)

domingo, 3 de março de 2019

Permaneço ---- por Ludwika Piekut

     
      Silenciaram as luzes
              e a aurora apagou
      Poente descoloriu
              e escureceu os ventos.
       Perdi você.
              Como emudecida sombra
              sugada pela teia do tempo
                        esvaindo
                                 permaneço

                                     06.2016