quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

A ilustríssima visita - por Guaracy Muniz Carioca

M        Ele desceu dos céus, era dia e o céu estava todo azul. Ele desceu dos céus e emanava um certo brilho. Desceu lentamente em linha reta, como quem desce de um arranha-céu em um elevador invisível. E pousou sobre o solo em meio ao rush matinal. Não fez nenhum som. Nem levantou poeira. Pessoas apressadas indo para os seus trabalhos ou procurando outros trabalhos. Muitos não repararam que ele desceu do céu. Os que repararam acharam que era alguma apresentação de mágica, daqueles mágicos internacionais que fazem mágicas pela rua e surpreendem os transeuntes. Sua cor azul celeste fazia alguns terem certeza de que era um daqueles artistas que fazia-se de estátua. Mas ele estava nu. Completamente nu. E estava de olhos fechados. Parecia humano apesar de não possuir pelos em nenhuma parte do corpo. Devia ter uns dois metros de altura e seu porte musculoso era de quem fazia musculação há vários anos. Claro que alguns radares o detectaram enquanto descia. Poderia ser um asteróide ou um drone. Um astrônomo falou com certeza na voz:"É mais um daqueles balões meteorológicos que brilham e causam medo em pequenas cidades do interior...".

Mas não era...

        Algumas senhoras, defensoras da moral e dos bons costumes começaram a se irritar com aquele artista de rua despudorado, mostrando suas partes íntimas e bem dotadas e seu corpo musculoso e perfeito...ahh. E se recompunham e chamavam a atenção do guarda que estava ali perto. "Isso é atentado ao pudor!" "Há crianças passando por aqui! Isso é um absurdo!"
O guarda concordou. Foi se chegando flanqueando a situação pensando numa melhor abordagem. As senhoras observando tudo de longe.
-Senhor! - falou em tom severo e alto - Não é permitido ficar nu em público. E todo artista de rua precisa ter o alvará da prefeitura. Ponha uma roupa agora e me mostre seus documentos.
E ele não se moveu. Provavelmente os documentos que ele tinha já estavam ali à mostra. O guarda se incomodou com o total desprezo do meliante. Avaliou a possibilidade de imobilizá-lo. Pediu reforço no rádio.
-Senhor! - Berrou amedrontador - Não me interessa se você é maluco ou é surdo, eu quero que você deite AGORA no chão com o rosto para baixo e as mãos para trás! AGORA! - E sacou o 38 apontando para o marginal.
Um pequeno pânico começou a se formar. As senhoras que assistiam a tudo de longe resolveram se proteger dentro da pastelaria do chinês em frente. Vai que o maluco consegue pegar a arma do policial?

        E o homem azul abriu os olhos. E seus olhos irradiavam luz. Luz estelar. Luz de explosões atômicas que acontecem no centro de estrelas centenas de vezes maiores que o sol. Brilho radioativo de trítios e deutérios. E o homem azul virou sua cabeça mecanicamente para o guarda. Não precisava tê-la virado. Sabia da presença do guarda ali. Dele e dos outros sete bilhões oitocentos e vinte e três milhões quinhentos e quarenta e oito mil setecentos e trinta e nove seres humanos ainda vivos naquele exato milésimo de segundo. E sabia também o que cada indivíduo das outras oito milhões e setecentas mil espécies estavam fazendo naquele mesmo momento. Então o guarda soube que estava diante de algo muito maior. E baixou a  arma. E de seus olhos saíram lágrimas. E ele molhou seu uniforme.
        E o homem azul sabia das crianças ainda vivas sob os escombros na Síria. Sabia das mulheres que seriam mortas por apedrejamento por terem traído seus maridos. E sabia das crianças recém-nascidas chinesas que seriam estranguladas pelas próprias mães pelo simples fato de terem nascido meninas e não meninos. E sabia dos falsos profetas que enriqueciam por oferecer a seus fiéis falsas vantagens de se barganhar com Deus. E sabia da dor das árvores cortadas no meio da floresta, e das baleias desnorteadas pelos metais pesados e pelas explosões de mapeamento do fundo do mar a procura de petróleo. E sentia a morte lenta e dolorosa do filhote de golfinho embolado numa rede de arrasto abandonada no fundo do mar. E sentia todas as dores dos partos e dos suicídios e assassinatos que estavam acontecendo naquele momento.
E passeou pelos pensamentos humanos e notou que muitos desejavam o fim do mundo. Um mundo tão belo. Dos mais belos que ele havia criado, ao menos nesta galáxia. E com tantos mistérios ainda não desvendados e tantos remédios para tantas doenças ainda não identificadas pela ciência.
E Ele viu seus rios transformados em valas negras e fétidas. E suas inocentes criaturas sendo atropeladas por veículos tão pesados e barulhentos, e percebeu aqueles borrões repetidos feitos pelas rodas nas estradas...
Poderia destruir tudo e recomeçar do zero, mas estes que destruíam tudo eram uma minoria. Nada que um vírus não resolvesse em alguns anos.
Sabia que se ficasse ali tentariam prendê-lo, matá-lo, dissecá-lo, injetar-lhe substâncias, expô-lo a gases venenosos e radiação. Poderia ser a causa de uma terceira guerra mundial pelo simples fato de estar ali.
        E naquele dia alguns bebês desapareceram, algumas crianças desapareceram e alguns homens e mulheres puros de coração também desapareceram. Alguns pareciam que tinham morrido. Não. Haviam sido arrebatados. Uma flor rara foi descoberta, e um animal desconhecido foi salvo de um incêndio.
Contemplou mais uma vez esta sua criação, tão recente e tão cheia de problemas. Não iria eliminar todo o mal do mundo pois o homem é o exercício de caminhar pelo vale das tentações sem se contaminar. Pelo menos é o que eles dizem. E sabia que havia esperança no coração dos jovens. E sabia que Nostradamus estava errado. E quanto mais horror houvesse, mais a necessidade da caridade brotaria do coração dos homens de bem...

        O reforço policial havia chegado, e antes que tentassem cercá-lo ou neutralizá-lo, correu no meio da multidão como um louco, entrou por um beco e evaporou-se...

         Foi visitar os amigos antigos, tomar chang com um monge no Tibete, Jogar tablut com um filósofo na Lapônia, tomar uísque e ver o mar, da Calçada do Gigante em Bushmills com um físico aposentado na Irlanda do Norte, e oferecer alguns biscoitos de linhaça para uma menina sueca chamada Greta.

A Busca - por Guaracy Muniz Carioca

Eu só busco fugir das rimas óbvias
Eu só busco fugir das rimas
Eu só busco fugir
Eu só busco
Eu só
Eu

Cacos de vidro no asfalto - por Guaracy Muniz Carioca

Bêbado; meu copo
Bêbada; minha vida
Um horizonte vertical
E uma têmpora doída
Bêbados; meus cacos
Bêbada; minha vida

Tem certas coisas que os filhos não aceitam bem... - por Guaracy Muniz Carioca


AVISO: CONTEÚDO IMPRÓPRIO PARA MENORES DE 12 ANOS - APRESENTA LINGUAGEM CHULA

E se te desse a louca (e foi dito com muita propriedade por Horácio “desipere in loco”- Enlouquece-te de vez em quando), e você se apaixonasse por um jovem trinta anos mais novo que você, com a libido à flor da pele e você fosse pega numa terça-feira às três da tarde gemendo na cama como uma loba no cio, sendo xingada de todos os nomes que uma mulher casta e pudica não deveria gostar de ser chamada...
E se te desse a louca e você vendesse sua casa com tudo o que tem dentro para colecionar apenas carimbos de “visto” de outros países em seu passaporte? Será que continuaria sendo a filha, a mãe e a avó querida? Ou tentariam te interditar para controlar tuas finanças alegando insanidade?  
Será que amparar os outros não se tornou uma obrigação velada? Uma troca macabra por aceitação, carinho e atenção?  Quanto do bem que fazem para você é exclusivamente para você? Quantas vezes fizeram para você a sua comida favorita? Quantas vezes te deram um sapato daquela loja que você gosta? Será que sabem ao menos a sua cor preferida? E se descontássemos tudo o que é feito para o bem de todos, como lavar o carro, fazer comida e arrumar a casa, o que sobraria de bem para você? E se você não tivesse nada a oferecer? Nenhuma vantagem financeira ou de outro conforto qualquer? Será que todos te amariam com a mesma intensidade que dizem te amar? Quantas vezes você ouve “Eu te amo” sem precisar perguntar ou sem vir um pedido de algum favor ou presente logo depois?
O dito “politicamente correto” dificulta e afasta grandes amizades, porque grandes amigos se tratam por adjetivos chulos e baixos e tudo vira uma grande brincadeira de chocar os incautos ao redor.
Digo sem medo de errar: Cuidado com a opinião dos que te amam, mas dependem de você, mesmo que em parte, por questões financeiras, afetivas ou de conforto, porque são opiniões tendenciosas.  E porque talvez a tua verdadeira felicidade vá contra todos os estereótipos que eles fazem de ti. Talvez te queiram pacata, sentadinha de pernas cruzadas e falando baixinho até o fim da festa. Feliz por ganhar uma caneca de “A melhor mãe do mundo” no Dia das Mães, ou conversando sob sutil vigilância, pela internet com vários “amigos” que nunca irá conhecer pessoalmente.
E se, da noite para o dia, você resolvesse começar a beber e fumar como uma adolescente no primeiro ano de faculdade longe dos pais? E se esquecesse de tantos compromissos que na realidade nem são seus? E se pensasse em experimentar novas sensações, antes de amanhecer? Percebes uma oculta cerca eletrificada de arame-farpado ao redor da tua liberdade de expressão?
E quando você ficar velha demais para despertar o interesse de alguém do sexo oposto, ou do sexo que mais te atrair, e os filhos todos já estiverem com suas vidas encaminhadas, quem vai querer cuidar da idosa faladeira e cheia de dores e horários para tomar remédios? Quem vai andar devagarinho ao seu lado como quando você levava eles quando estavam ainda aprendendo a andar? Quem vai ter com você a paciência que você teve com eles?
O mais provável é que você continue por toda a vida comprando atenção, cordialidade e aquiescência entre os dentes, deles.  Comprando eles para não te deixarem abandonada, quando o que você realmente queria era ficar nua em pleno Culto de Natal, ou gastar uma gorda fatia do teu décimo terceiro salário para fazer sexo, ao menos mais uma vez, com um jovem e musculoso michê. Mais um sendo comprado para disfarçar a cara de nojo, pena e impaciência.
E aí numa madrugada solitária você irá encontrar esta carta, já amarelada, rasgada e colada com fita adesiva e vai descobrir mais uma vez que eu era teu amigo de verdade e que te amava sem exigir nada em troca além da natural troca de atenção entre amigos. E que sabia a tua cor favorita.
Tantos bens de consumo parcelados nos cartões de crédito, mas nada preencherá o vazio de não ter ninguém para te chamar de “meu tesão”, “minha putinha gostosa”. Ou te sussurrar ao ouvido entre lençóis: “Abre essas pernas meu amor que hoje eu quero te chupar a noite toda!”...
Percebes? Tem certas coisas que os filhos não aceitam bem...

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

CRIVOS DE ERATÓSTENES - por Clayton Craveiro

Crivos de Eratóstenes
De Alexandria à Roma
Conflitos bárbaros a números primos
Únicos ? Quem saberá ?
Indivisíveis ? Quem deixará?
Tantas distancias
Humanidades 
Unidades
Eu e ela
Um egípcio? Como uma grega?
Sempre uma viking


Língua bávara
sobre a pele pagã

Ou, que seja,
Greco-romana
Galega-burguesa
Eslavo-Búlgara ou 
anglo-saxã
Por que não ?

Ela atreve-se
Eu misturo
Pulo o muro
Sou bravo
Eu, eu mesmo, Craveiro!

Quando caio
Logo a encontro

Ela o cravo
Estamos prontos

Um conto de Fonseca
Imoral e pueril
Insano
Vilã e mocinha

Crava o espinho, a garbosa
Nós, personas distintas
Heterogêneas e tão iguais...
Gêmeos de duas vitelas
Azul e rosa
Púrpura 
Gostosa

O rústico e a lady
A princesa e o bruto
Limão e pilão
Nem tanto
Entreveiros comuns
Sem pranto 
Sem lutos pelo fim
Luta pela eternidade
Dois em um
Um dígrafo
Epígrafes
Sustenidos na canção
Um fonema indecifrável
Th...

Dois em um
Rum e Coca-Cola
Canção de Cartola
Pororoca de emoções
Um AP na Tijuca 
ou uma casa na Moóca
Rolando na minha rima
Meu imã
Meu pão 
Minha manteiga President
Uma em um
Um em uma
Vivência múltipla dos órgãos
Meu chão 
Meu tapete de nuvens
Volúveis
Muitos sins
Raramente um não
Claramente um não. 

segunda-feira, 22 de julho de 2019

Daí Babá - por Vitor Ferreira




Daí Babá


Gravação: Bebossa Kids 
Música Luhli e Lucina
Letra: Vitor Ferreira e Suzy Wängler


Babá dê sua mão pra mim,
Vem ver o pedacinho do chão,
Gotas transmutadas em grãos, areia.

Me mostra a toca do tatu,
O canto do uirapuru,
Nas águas doces de Oxum,
Peixes, pássaros, iraras.

Pios, urros, mios, silvos, rompem a mata
Para avisar que o segredo da floresta
Tá com o boitatá

Pra ver do alto o que que há,
Uma carona,
vou pegar,
No panapaná.

Vejo a floresta brilhando,
Espalhando seus cheiros no ar (cheiros no ar),
Imburana, aroeira, cedro e jatobá.

Descubro o segredo é semente,
Presente que a Mãe-Terra nos dá (Mãe terra nos dá)
E o grande tesouro
É a vida sempre a brotar.




quinta-feira, 27 de junho de 2019

Levitação - Por Tildé

Levitação

Quem se prende a matéria
não consegue voar.
O sonho é leve
e a emoção flutuante.
É preciso desprendimento
para o infinito alcançar.

O Beijo - por Tildé

O Beijo

O beijo é bússola guia
a despertar desejos.
provoca sensações, arrepia!
É gostoso como o vejo!

Deixa o corpo mais leve,
bem quente de emoções!
É uma liga que serve
para unir dois corações.

A Lua e Eu - por Tildé


A Lua e Eu

Manter os sonhos sempre crescentes,
deixando a vida a cada dia mais nova,
com a tristeza saindo bem minguante!
Viver a alegria do amor que se renova.

segunda-feira, 20 de maio de 2019

POESIA DE SMARTPHONE - por Clayton Craveiro

Antes eu trocava a fita
sujava os dedos
no tecido negro e rubro
Furava a seda da Olivetti
Tek-tek-tek

Usava limpa-tipos
Folhas A4, Correto Carbex
Missivas em posta restante
Postais de um lugar distante


Tempos passados querida...
Hoje é tudo num instante

Hoje meu mindinho apoia meu verso
enquanto o polegar vacila
entre o amor 
e o horror ao corretor

Faz plim quando ela chama

Infla meu peito
Satisfaz meu ego macho-alfa
"Manda nudes meu bem..."

Aquele jeito, aquela chama
Em tempos modernos
Até o vício solitário é diferente
Tem um giga de velocidade

Não é fake, é maldade 

Portanto a paixão de improviso
agora circula em ondas de um 4G
Não mais nas mucosas do ponto G

Sabe lá o que é isso?

No "hifi" eu dançava colado
Sussurrava segredos
Embaraços ao pé do ouvido

Agora ?? Duvido !!!

Muda a letra 
Sai "h" entra o "w"

E no "wifi" de hoje
Só a senha é o desejo
Pode crer! Mais que um beijo!

Pois que venham !!

Noites insones em zaps da vida
Paracetamóis virtuais
Boleros em pacotes de dados
Substituição da solidão
Por mais solidão

A vida no modo avião 
Ansiedades aflitivas
Por respostas imediatas
Obsessivas
Obsessões
por notícias
Por sinais

Por torturantes áreas de cobertura
Premissas falsas
Verdades ora irrelevantes 
que os bits nos aproximam
E nos trazem paz

Por hora, querida.
Não mais.




quinta-feira, 2 de maio de 2019

Do Tempo, da fraternidade e do amor - por Clayton Craveiro



Eu só tenho três minutos???
“Vá lá... Quatro”
É que aqui, tudo é eternidade
Enquanto o tempo / Faz maldade com a gente
Só anda pra frente / Não adia a verdade
Não sabe voltar

Eu podia escrever uma história para provar que sou sublime,
me fazer de importante
Mas Fernando, o Pessoa  / Já eternizou esse instante

Quanto a mim, o tempo às vezes oprime
Talvez a você também
Apertando meus olhos; bagunçando os relógios
Mil cucos não bastam; insônias não curam



O tempo nos toma tempo!

É preciso vencê-lo todos os segundos
Embora nunca cheguemos em primeiro

Nas rotações desse mundo
Há o lado bom, há o lado ruim
E existe a falta de lados / Mesmo cortados por Greenwich

E o tempo, indiferente, continua...

Tenho pra mim que o tempo não escolhe / e nem acolhe quem está fora do tempo

Ele devia ser um detalhe
Uma leve ironia
Como a magia de um gol aos quarenta e seis
do segundo tempo da vida

Mas faço dele poesia
Aproximo meus afetos
Dou tinta aos meus papéis virtuais
Para a vovó, vovô e seus netos
Para que sejam tratados como iguais
A garota do traço
O garoto do baixo
Àquela ali que também amo e conheço bem
Para você, você, e você,...

Venço o tempo provisório
Sem palavrório a esmo
Direto, soco inglês
A flecha e a caça
Não sei se em bom português...
Mas é isso o que posso
Pra me fazer compreendido

Sem alarde
Para o frescor da tarde
Para a libido da noite
Para as páginas das manhãs
Mas sobretudo,
e isso eu não conto
(Só pra vocês, vai... )
Para espalhar o tal do amor!

Esse cara que vence o tempo
Que em tempos difíceis
Está sempre presente
Apesar das águas, do fogo,
da lama, oitenta tiros insanos,
prédios desabados e
déspotas mal disfarçados,
que nos soterram a cada dia
Apesar das lágrimas teimosas
Daqueles instantes sem riso
pois é...
Pois assim é... tal e qual navegar:
- Também é preciso...

Mas deixe estar /  que o coração de quem ama
Está sempre pronto.
Um abraço...
Às vezes só um abraço / ou um sorriso...

* * *

Devia ter uma lei pra quem não fala do amor, / da amizade, da fraternidade,...
Pagasse taxa, tarifa
Comprasse rifa velha, sei lá...
Que fale!
Que se expanda por aí

Sem sacrifício
e sem egolatrias tolas
Que seja prazer, não ofício
Nada de regras
Tipo um compromisso, assim sem compromisso:
- A gente se vê, hein...?! - e como é bom quando a gente se vê ...
- Eu passo lá ! - e como é bom esse encontro
- Te ligo ! - e no meu ouvido tua voz sempre tão presente...
Que os abraços fraternos
Não acabem em prosas dispersas
Erradas palavras de ordem
Chuvas de “granito"
Calçadas de sangue e “granizo”
Gritos,
clichês popularescos / e ódio entre irmãos.

Sim, é o que peço:
Que os pensamentos diversos
Se igualem em respeito pelo outro
Que nada fique solto na frase / na base, na crase.
Seja justo e contratado !

Que o nossos amores
Sejam mais que verbos intransitivos
Que sejam definitivos
Que sejam transitado em julgado
Que não caibam recursos

E que no curso da história
Sejam escritos nas paredes
Feitos por um bom pichador:
"Mais amor, por favor! "
Jamais uma súplica,
Sempre afirmação.

E que todo esse sentimento
Vire um lema de vida
um leme, as velas, sua direção e saída,...

Seja mais que um poema
Não repouso dos fingidores
Nós os viajantes do tempo...
Que não nos importem etnias,
gêneros, cores,
distâncias,
falsos rumores,
Que se partam em pó ditadores
Que prevaleça a graça
Que se levantem as taças:
É agora o nosso tempo !
É agora o nosso tempo !
Quatro minutos
E uma eternidade de amores.

terça-feira, 30 de abril de 2019

Lilico - por Guaracy Muniz Carioca

Lilico  

Rubro intenso que mostras sobre a mesa
Ouro vermelho, sangue do lavrador
Traz tua acidez até para sobremesas
Da semeadura à colheita, mui labor

Na terra covada o sonho renascer
Desbrota para o fruto vicejar
Rezando baixinho para não chover
Orando em silêncio para não esquentar

Solitários ranchos, curtos horizontes
Bambus em feixes acinzentados
Vales úmidos, verdes montes
Sob a terra em relevo ondulado

Frutos caneados, hora de colher
Será que o preço bom estará?
Lilico, meu amigo, agora vamos ver
Se um retorno justo acontecerá

quinta-feira, 28 de março de 2019

Aos diferentes - por Guaracy Carioca

     Irão chamar-te de louco. És apenas diferente. Os bares lotados, os estádios e as repartições públicas te intoxicarão. Oferecer-te-ão drogas. Não as aceite.
Deixar-te-ão mais parecido com os iguais que se pareiam aos milhares. E és diferente.

     Vais enlouquecer-te vez por outra porque a vida quererá enquadrar-te, rotular-te, estereotipar-te. Ela conseguirá apenas em parte, porque mesmo nas diferenças há semelhanças.
     Olha-te no espelho. Não há ninguém igual a ti. Nem mais belo nem mais horrendo. Levanta voo! Agora! Tuas retinas precisam filtrar paisagens. Inspira teatro, expira poesia. Dança uma dança só tua. Cria raízes e depois as corta. Parta para um lugar desconhecido. Depois volta. Muda de ideia. Diz que não sabe. Pergunta. Ouve as infinitas respostas. Em algum momento da vida irás pintar teus cabelos, ou crivar tua pele de tatuagens e tuas extremidades de metais,cordões e penas. Vais, aos poucos, percebendo-te diferente. Os jovens perceber-te-ão jovial apesar da idade. Não te envergonhes disto. Um instrumento musical poderá escolher-te como amigo. Aceita-o sofregamente. A arte presa em ti precisa ser parida de alguma forma, por algum meio ou ferramenta; O pincel, as mãos, os pés, a voz, o sexo, o corpo todo.

     Certos dias encontrar-te-ás sozinho. Aproveita a liberdade e o anonimato. Fica nu. Medita. Deixa a inspiração dormir um sono tranquilo, para depois, de madrugada acordar-te num susto, suando e chorando sem saber por quê.

     Viestes ao mundo para criar novos caminhos. Não para percorrer os já existentes. Por isso acostuma-te com a solidão. Não é tua inimiga. Talvez em idade já avançada olharás para trás e verás a multidão que seguiu teus passos e se emocionou com tua trajetória ímpar. Não te envaideças. A multidão é infiel e o sucesso efêmero. Tudo é efêmero. Segue criando, inovando, perscrutando. Podes ter muitas companhias mas nunca encontrarás teu par. Por que? Por que és diferente. És artista. Casa-te com as tuas artes! Aconchega-te a elas.

domingo, 24 de março de 2019

Migalhas - por Ludwika Piekut

Migalhas

Executando constantas amputações sem
anestesia  -  o tempo.
A solidez dele, evaporando, deixa
         migalhas de irônicos apegos
         consideráveis importâncias  sem
         importância
         entregas urgentes sem mais
         endereço
         restos ininteligíveis dos mapas
         de tesouro
         e flashes de futuro condenado
         a gasto sem uso.
Com manto de densa névoa,
cobrindo estas paisagens  --
                                    a tristeza

domingo, 17 de março de 2019

GRANDE MANCADA (De carona no surreal) - por Ludwika Piekut

Grande mancada
 
Vazia, oca, aérea, entregue  à escolha  dos meus pés cegos - andei vagando por aí, com olhos vesgos de esforço, de tanto trocar lugar com as orelhas.
Sol nascia no oeste e, ao mesmo tempo, no lugar dele caia como moeda de pagamento a lua de prata, de mudança para trás do horizonte. Agora alcançável.
-- Duas faixas de luzes, paralelas, cruzaram suas retas  finalizando show  que, afinal, não continuará. Nem deve! --Ninguém lamentou  falta de colorido no espetáculo. --- Circulando... lancei- me para a frente.
---- Fui caçar. Atirei. Pensei que matei um elefante.... Atirei na sombra dele. Estava atrás de mim com a pata erguida, apertando carinhosamente a trompa que enrolou  em volta do meu pescoço.
---- Dei taça de veneno para cobra se deliciar. Agradeceu fortalecimento  envolvendo meu corpo num " grande abraco" mortal com carinhoso beijo de vampira  assanhada.
---- Cansei. Brincando despreocupadamente de roleta russa dei vários tiros na minha cabeça. Não sei como nao reparei que já o primeiro dis paro continha a bala. Com um malicioso sorriso, meu  reflexo  no espelho me parabenizava pela distração.  -  Em seguida -  estorou em mil pedaços.
        Com azar  à vista, fiquei com a raiva.
Derrubei   com  machado  a última  árvore do meu quintal.
Lágrimas de resina deslizavam pesado , devagar. Endurecendo, consolidaram final  da despedida

sábado, 16 de março de 2019

Tédio - por Gil Cléber



Um sino irrompe a tocar em plena tarde:
O morto da véspera
                                 abre o olho branco no caixão
E um cavalo desembesta no caminho do abismo.
O domingo
É uma capa de bronze que me pesa nos ombros,
E o tédio
                               feito uma lança
                                 trespassa-me
Como trespassou a Cristo
                                 no Monte da Caveira
                                 a lança do soldado.
O sino toca,
Plange,
Aquieta-se o dia,
O Sol é o cavalo a galope
                               na direção do poente.
Vi uma inocente sangrando à beira do caminho,
Pensei que estivesse impura
Mas o sangue vinha de seus pulmões enfermos.
Se morresse
O Inferno talvez fechasse suas portas
E cérbero pudesse enfim uivar para a Lua.



(14/06/2005; do livro "Testamento")

Criatura (II) - por Gil Cléber

Técnica mista sobre eucatex - 91 cm  x  137 cm
2003

Autor: Gil Cleber

sexta-feira, 15 de março de 2019

NEM VEM - por Clayton Craveiro

Taí ! Decidi ! Não vou morrer!
É . É isso mesmo! Nem vem !
Se a Morte vier vou tratá-la com desdém.
“Espere aí na recepção” - direi
Vou continuar conversando com o João.
“ Mas João, que jogão ontem, hein?!”
“ Não vai atender a moça, Clayton?”
“Moça ?! 
Essa quer troça comigo!
Quer que eu vire do avesso
Quer me aplicar um castigo?!
Logo eu ! Estou só no começo!”
Miro sem vontade e digo sem apreço
“Pode esperar por aí... 
Mas sentada, senão cansa”

Ela, de vestido grená,  quer dizer alguma coisa
Mas Morte não tem boca
Não me leva pra Roma, não bebe guaraná
Só uns murmúrios tolos que parecem me querer
Mas quando eu não quero, nada me faz mudar

Logo toca a campainha
abro a porta e é a Vida
Passo ela na frente; 
nem precisa de senha
Abraço com força 
Chamo ela pra dança
Moça esperta !
Acompanha meus passos
Serpenteia em meus dribles
Dá replay na minha finta
Faz assim desde criança. 
Vida se pega na cintura 
E se conduz sem destino
Joga luz em minha tinta
Nada me faz  mudar

A outra? 
Que espere ali na recepção.
E João me pergunta: você volta?
“Vou partir com a Vida, acho que não volto, não”.

quinta-feira, 14 de março de 2019

Intrépida Mensageira de Odin - Por Vitor Ferreira



Baseado nas palavras e sentimentos em relação à Virgínia Talbot (Ex chefe da Rebio Tinguá, exonerada injustamente num intuito de colocar um padeiro em seu lugar), enviados ao autor. Portanto, esse singelo Poema não pertence somente ao autor, mas a todos do Conselho da Rebio Tinguá que, de alguma forma, com ele, contribuíram.

Quem és tu que chegas?

Sabe-se lá de onde.

E adentra em nossa reserva,

Sem reservas.

Com seu sorriso largo,

Risada engraçada,

Instrumento nosso, de áudio-referência.



Talvez de espírito nordestino

Sendo, antes de tudo, uma fortaleza,

Diante do euclidiano destino.



Talvez precisa,

Em comunhão com o Inmetro,

Em busca da devida medida.



Seu ouvido sempre atento

Aos Ecos da Cidade,

Abrindo à comunidade,
 seus braços em alento.



Pegue essa Onda Verde,

Navegue pelos pensamentos,

Interprete os sonhos,

E contagie com os seus conhecimentos.



Com uma bravura sindical,

Enfrentou o machismo pétreo,

Invertendo o argumento,

De um conflito “hétero”.



Do seu amplo conhecimento,

Cultivado em museus,

Nacionalmente reconhecido,

Amendrotando os fariseus.



Diante às adversidades

E relembrando Che,

Endurecer,

Sem jamais, a ternura, perder.



Dos valores dos sábios,

Em visão planetária,

Tendo o verde como bandeira,

Seu senso de organização,

E ampliando o futuro,

como visionária.



Inteligente como Polyanna,

Com seus cabelos claros,

Menina da brincadeira do contente,

Brava guerreira de olhar positivo.

Incansável no caminhar poente,

Observando dos fatos, o real motivo.



Em seu jardim de sorrisos,

Imprimindo o seu o olor botânico

E junto, a capacidade e o engajamento,

Tão profundo quanto orgânico.



Assim, você nos Anima a Vida,

Em constante proteção

Nos impelindo adiante,

Reforçando nossa ação.



Em cada pé de planta

Plantado com suas mãos,

Brotando em grotões

Palmilhado pela planta do pé.



Seja no ambiente rural ou urbano,

Com responsabilidade, perseverança e carinho,

Renovando a cada ano,

Aquilo que encontramos pelo caminho.



No saber popular,

Vislumbramos a sabedoria oral,

Que aprendemos pelo mundo,

A possibilidade de ser empurrada da trilha,

Mas sem jamais perder o rumo

BOLERO - por Clayton Craveiro

Espera o bolero que eu quero dançar.
Falar-te no ouvido
o segredo, que dito,
vai parecer banal
mas espera o bolero
pra sentir teu perfume
em minha roupa de linho
Nem fumei essa noite
pra poder bem cheirar

Espera o bolero, morena
João Bosco nem tocou
e meu vermute está no copo
aflito por teu batom
e o sabor do teu creme dental

Espera o bolero garota
que o salão está cheio
e no meio da dança
vou contar desta alma
que já não tem coração
pois perdi no bolero
pra contigo encontrar

Mas espera o bolero

Espera o bolero.